EDITORIALBom dia! Bem-vindo(a) à Enclave #131, a newsletter do Black Lodge. Hoje, damos sequência às lamúrias da vida moderna. A edição atual, misturando um pouco de tudo – principalmente, anúncios e IA na fraqueza do nosso modelo de mundo dependente de internet –, estende a série de incômodos ranzinzas do nosso cotidiano:
A primeira edição de 2025 do Jornal RelevO está disponível no nosso site! HIPERTEXTO'IA' é só o veículo mais recente em direção à deprimênciaShape without form, shade without colour, Você abre o Google, este veterano cada vez mais perdido em sua crise de meia-idade, e se depara com um resumo de inteligência artificial (IA) à sua consulta. Mais uma caixa de informação, acima de qualquer outra – acima até dos 50 anúncios dos quais precisa se esquivar para quem sabe encontrar alguma informação relevante, quem sabe até escrita por algum ser humano e, pasmem, quem sabe até sem a intenção primordial de rankear no Google [para vender algo]. As informações estão corretas? Não necessariamente. São relevantes? Não sei. Solucionam um problema? Até o momento, na minha experiência, nem de longe. Mas elas me empurram inteligência artificial, e algum executivo pode justificar para outros executivos que a funcionalidade existe e está disponível. “Sim, claro que temos IA. Vendemos IA. Lideramos em IA”.¹ Decepcionado, você consulta alguma de suas playlists no Spotify. “Músicas para fugir do Apocalipse”; “Músicas para causar o Apocalipse”; “Músicas durante o Apocalipse”. Decide ouvi-la em modo aleatório, mas não percebe que seu clique automaticamente habilita uma suposta… “Ordem aleatória inteligente”. Claro, enriquecida com IA. Ah, o Spotify. Uma baguncinha intrusiva na ordem de suas listas é o menor dos problemas. Para quem não está acompanhando o apocalipse digital, uma novidade: de acordo com a investigação de Liz Pelly, autora do recém-lançado Mood Machine: The Rise of Spotify and the Costs of the Perfect Playlist, a companhia sueca tem jogado bem mais sujo que isso. Para reduzir o pagamento de royalties, o Spotify tem promovido as próprias playlists (“jazz para dormir”, “blues para estudar” etc.) com um pequeno asterisco: trocar artistas consagrados por composições mais, digamos, próprias. Trata-se do Perfect Fit Content (PFC), um nome à prova de sátira. Por meio do PFC, a empresa grava e compra composições (rápidas, triviais, banais) de músicos – e, principalmente, seus direitos autorais. Os artistas sequer sabem de que maneira isso é usado. Apenas gravam e cedem os direitos. Suas músicas surgem na plataforma sob pseudônimos e álbuns quaisquer.
Evidentemente – ninguém precisa confirmar isso, basta juntar dois pontos quase colados –, o próximo passo, assim que tecnicamente viável, será trocar esses caros e desnecessários músicos por IA, certo? Quem assiste?Obras produzidas por ninguém para serem escutadas por ninguém. Se trocarmos músicas por filmes, podemos chegar na Netflix, outro Cavaleiro que jogou sua indústria de cabeça para baixo e, hoje, especializa-se em produzir uma gigantesca massa amorfa de absolutamente nada (com anúncios!). Em outra belíssima reportagem, publicada na n+1, Will Tavlin aprofunda o marasmo de mediocridade exercido pela plataforma, que lança cada vez mais promovendo cada vez menos, contentando-se com o tamanho de sua videoteca. Alguns trechos incríveis:
E, de fato, não sabemos ao certo quem assiste o quê. Quando a Netflix anuncia que determinado título foi visto por X pessoas, o que isso significa na prática – mesmo, mesmo, mesmo – é que X contas abriram determinado filme ou série por ao menos dois minutos. Dois minutos! Tudo é tudo, nada é nada, não existe verdade, tanto faz.² Estocada finalCertamente, você já ouviu Mark Zuckerberg falar sobre fact-checking, mudanças recentes na Meta etc. etc. Seu comentarista político favorito já dissertou sobre isso nas últimas semanas. Ok. No entanto, vamos além da novidade – se é que ainda existe novidade –, uma vez que a deprimência é sempre mais funda e, portanto, perene. Afinal, quão deprimente é o fato de essa mudança na plataforma ter tanta importância? Quão deprimente é o fato de o mundo inteiro parar para ouvir Mark Zuckerberg? Quão frágil é nosso sistema econômico a ponto de tudo [muito supostamente] depender de uma megacorporação que, em última instância, apenas vende anúncios?³
Not with a bang, but a whimper, claro que podemos descer mais. Alavancando de vez a teoria da internet morta, a Meta informou que passaria a adicionar usuários artificiais, criados por ela mesma, às suas redes. O movimento foi vilipendiado e, supostamente, a empresa voltou atrás. Até quando? Não sabemos. É mais importante, ou ao menos mais curioso, entender os motivos e as consequências de a companhia querer acrescentar usuários falsos a seu ecossistema. Já vivemos em um universo onde as pessoas podem comprar seguidores, então promover-se com base no número de seguidores, então retroalimentar-se infinitamente rumo ao estrelato (ou a carros de luxo alugados). Nós somos os homens ocos. Claro, a Meta não daria ponto sem nó. Se a ideia é agregar soldados a uma fabricação de consenso para moldar opinião pública ou encher o saco por um fim mais besta, dificilmente saberemos. Alguma camada existe: ninguém aprova e executa uma ideia dessas à toa⁴. Cá estamos, com usuários falsos. Entre filmes genéricos para uma não audiência e músicas compostas para não serem escutadas. Dependentes de megacorporações disruptivas cujas únicas soluções são sempre mais e mais anúncios. Em uma superestrutura construída sobre – e ainda mais dependente de – anúncios. Quem sabe agora direcionados a usuários falsos. Eles sonham com ovelhas elétricas? Eu sonho? “IA” consiste em muitas coisas. Também não consiste em tantas outras, a despeito de sermos inundados por ferramentas que nos empurram soluções à procura de problemas. A moda passará, como qualquer outra. Elementos úteis permanecerão. Haverá outra moda. Quem sabe a volta da realidade virtual, esse micropênis incapaz de subir. E tudo será RV. Máquinas de lavar RV; advogados RV. Enquanto isso, todavia, nadamos num tobogã de redundância cujo destino óbvio é a lama da deprimência. Até a próxima! BAÚA Ideologia Californiana
Richard Barbrook e Andy Cameron, 1995. Ed. Monstro dos Mares e BaixaCultura, 2018. 1 Enquanto escrevo isso, fecho seguidamente a mesma janela do Adobe, que insiste em me oferecer um assistente de leitura com IA para um simples pdf. E fujo das ferramentas de IA que poluem minha caixa de entrada do Gmail. 2 Um adendo irrelevante para o todo, mas divertido: a história de origem da Netflix. Reed Hastings, o fundador, contou inúmeras vezes, ao longo de muitos anos, como teve seu estalo disruptivo ao pagar uma multa caríssima na Blockbuster. Pois bem, a história é falsa. Ele inventou. Quem diria. [Consta na matéria da n+1] 3 “As melhores mentes da minha geração estão pensando em como fazer as pessoas clicarem nos anúncios” Jeff Hammerbacher. 4 Talvez eles estejam simplesmente criando os namorados dos nossos filhos! |
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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
'IA' é só o veículo mais recente em direção à deprimência
quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
O maior jornal impresso independente do Brasil, segundo o NYT
O maior jornal impresso independente do Brasil, segundo o NYTUma ligeira reflexão sobre o marketing da pureza. NYT = Not Your Therizinosaurus???
Olá, assinante e colaborador(a) do RelevO. No Informe Mensal de hoje, trazemos apenas um recado, que celebra assinaturas não canceladas, sugestões de parcerias duvidosas não verbalizadas e amizades que perduram porque ninguém tenta furar o olho de ninguém. 1.Antes de tudo, feliz 2025! Aos nossos assinantes, anunciantes e distribuidores, os exemplares foram despachados no primeiro dia útil de janeiro. As entregas dos correios estão funcionando bem. Em caso de extravio, atraso ou malote tomado por pelos de pets, não deixe de entrar em contato conosco. E o ano começa com um argumento possivelmente audacioso, mas fundamentado em autoevidências: em circulação ininterrupta desde setembro de 2010, o RelevO é o maior jornal impresso independente do Brasil. Melhor: é o maior jornal impresso independente de literatura do Brasil. Essa afirmação não só não nos orgulha, mas também nos deixa especialmente preocupados, isto é, tanto com o tamanho do mercado literário brasileiro como com o fato de que, bem, somos nós mesmos a deflagar essa comenda, logo o periódico com mais propensão ao descaso com rótulos, títulos e prêmios – nenhum clube quer nos condecorar – e que mais passa o chapéu para seguir circulando. Temos mais predisposição para circo itinerante, um leão sôfrego aceitando pipoca, do que para o uso de ternos em longas cerimônias. Nunca soubemos preparar discursos. E, afinal, o que significa ser independente e/ou maior em um mercado que frequentemente não quer dizer nada ser maior por simples falta de ressonância? O que temos a dizer sobre um certo jeito de fazer cultura impressa em tempos tão refratários ao formato? Segundo a pesquisa Retratos da Leitura 2024, 53% dos entrevistados brasileiros se declararam não leitores. Comecemos com uma discussão nada simplória: o que é ser independente? Quando mencionamos independência, geralmente pensamos em autonomia política e – modernamente – econômica, um sentido geopolítico. Mas sabemos que somos, enfim, apenas um impresso que imprime 6 mil exemplares por mês. Conhecemos o nosso cercadinho. Independência, para o RelevO, é a soma de consistência com a não escolha de caminhos que geram certos compromissos estranhos com a origem da grana, o famoso toma-lá-dá-cá. Não aceitamos dinheiro público nem de empresas que comprometam a integridade do que publicamos. Por exemplo, não receberemos grana de parceiros editoriais fundados em 1919 que defendam bandeiras que já soavam antiquadas em 1919. Negamos patrocínio de bets muito antes de isso ser considerado uma epidemia social. Assine para receber – de graça – conteúdos como este! Nossa sobrevivência vem do apoio direto de assinantes e de anunciantes. Com esse aporte, executamos um esforço logístico contínuo, até acima das nossas capacidades, que garante a entrega do periódico em pontos culturais de 24 estados da federação. As exceções são Acre, Amapá e Rondônia – não por falta de tentativa.¹ Com relação aos assinantes, o jornal chega em todos os estados e até no exterior, com leitores em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos e na Inglaterra, além de mais 10 países. Da soma dos aportes de assinantes e de anunciantes, direcionamos quase 40% do caixa para a distribuição em pontos culturais do Brasil todo sob o argumento de que não faz sentido um periódico literário brasileiro ser restrito somente a quem pode pagar. No RelevO, quem paga a assinatura também patrocina o envio para os pontos gratuitos. Sim, parece uma operação impensável, mas foi assim que resolvemos, com menos de R$ 10 mil por mês de orçamento – e com prejuízo em nove dos últimos 12 meses –, o nosso gap de distribuição. E foi assim que persistimos, testemunhando diversos projetos mais espertos ruírem brevemente, passada a empolgação inicial. Para nós, ser independente também significa não adular o público, tampouco ser porta-voz de interesses pessoais do [e]leitorado. Ao contrário, é aceitar os riscos que vêm com a liberdade de ser fiel à nossa missão editorial de tentar sempre surpreender o leitor e a leitora com conteúdos que julgamos literariamente interessantes, ao invés de publicar quem assina o jornal apenas por isso, numa relação de ganha-ganha em que o universo perde. Em contrapartida, nos dias atuais, o vaticínio da independência é bem mais que um ideal para chamar de seu: é um posicionamento muitas vezes associado ao marketing em um mundo marcado pela influência de grandes conglomerados e produções cada vez mais submetidas à lógica dos algoritmos. Independência é pop, é original; demonstra propósito, histórico e resiliência; por fim, é customizável e cult. Lembramos do curioso caso de independência da destilaria Ardbeg, em Islay, ilha remota da Escócia, que faz uso do status da autonomia em seus comerciais levemente irritantes e tem como controladora o grupo Pernod Ricard, corporação cujo portfólio apresenta marcas conhecidas como Absolut, Ballantine's, Chivas Regal, Beefeater, Jameson, Malibu, Mumm, Passport, Montilla, Orloff, entre outras. É a famosa independência de boutique. Excelente uísque, aliás, o Ardbeg. Ser independente significa manter-se alheio a tais pressões do espírito do tempo ou não ser mais um nome na grande bacia de algum CNPJ? O que sabemos é que, no RelevO, somos livres para promover a literatura como acreditamos que ela deve ser: um espaço de pluralidade e experimentação com alguma diversão. Também sabemos que não estamos no rol de produtos da Pernod Ricard, embora já tenhamos feito proposta para a Red Bull.² O que significa ser “maior”? Nada. Ser maior geralmente trata de números ou títulos. Para nós, é uma questão de consistência, impacto em seu público-alvo e tradição. Publicamos sem interrupção há quase 15 anos. São 189 edições. Algum mérito há nisso. Mantemos uma base estável de assinantes e de pontos de distribuição – hoje são quase 1000 assinantes e 250 espaços de circulação, entre livrarias, sebos, cafeterias e demais centros culturais – e cultivamos uma rede que valoriza o diálogo por meio das cartas enviadas pelos nossos leitores. Nossa capilaridade é fruto de um trabalho comprometido e coletivo, bancado por nossos assinantes e anunciantes, o que gera, na média, 30 cartas espontâneas, de gente que leu e prestou atenção, por mês. Mais que títulos, este é o nosso principal troféu de reconhecimento externo. “É bonito de se ver” o mundo de dentro, mas sabemos que ser independente também significa enfrentar vulnerabilidades, como oscilações no custo do papel, falta de orçamento e a dificuldade de manter uma equipe integralmente dedicada ao projeto. No final, o discurso da independência fica bonito no cardápio, mas sozinho não paga o boleto da gráfica. Bem. Não somos herdeiros de grandes patrimônios ou ventríloquos de qualquer marca. Aliás, não somos herdeiros de patrimônio algum. Nossa existência é fruto do apoio de leitores que compartilham do nosso compromisso com a cultura. Por isso, somos gratos a vocês que investem no RelevO como um canal de provocações e descobertas. Em 2025, queremos continuar promovendo uma literatura que desafia e conecta. Queremos ser mais promotores de nossa própria existência, reforçando não só o que somos, mas também o impacto que exercemos em nosso diminuto ecossistema. E, para isso, contamos com você: leitor, colaborador e agente cultural que compartilha dos mesmos horizontes. Ou apenas um nóia que quer se concentrar de forma saudável no papel jornal. Assine o RelevO! Saiba que você não apenas recebe um jornal. Você fortalece um projeto que resiste ao efêmero, promove a cultura impressa e defende a literatura em seus próprios parâmetros. Sua assinatura é uma declaração de apoio ao nosso ideal de independência, conceito tão frágil quanto fundamental. “E no veludo desse céu azul / Brilha o medalhão da Cruz do Sul”. Sigamos juntos, reafirmando os valores e a consistência (ou a dureza) que nos trouxeram até aqui. 1 Conhece um ponto cultural nessa região e que gostaria de receber o nosso jornal? Escreva pra gente; indique! 2 Ainda esperamos resposta! O e-mail deve ter caído no spam… © 2025 Jornal RelevO |
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