domingo, 1 de outubro de 2017

A origem do mate - Literatura de Cordel

Por Ruth Hellmann

1
Relatos encantadores
são sul-rio-grandenses lendas,
que fascinam os gaúchos
junto de suas lindas prendas,
difundindo as suas culturas
tais como as boas oferendas.

2
A lenda que nos encanta
vem dos índios guarani
contando a origem do mate
e a formosura de Yarí,
gaúcha que se tornou
rainha dos ervais daqui.

3
Em tempos de grandes lutas
na floresta que ressoou
o cântico de uma guerra,
Itabaetê então marchou
com todos seus homens fortes
e o acampamento deixou.

4
A tribo inteira partiu
na certeza da vitória,
pois nestas lutas sangrentas
a união concretiza a glória,
e a coragem desse povo
conservador da memória.

5
Para a guerra não partiu
só um índio muito idoso.
Bem no alto de uma coxilha,
triste com o olhar choroso
acompanhou a tropa toda
e sentiu-se mui ansioso.

6
Ainda, o velho lá ficou,
como estátua, por momentos,
sem falar, mas como filme,
em seus tantos pensamentos,
recordações das pelejas,
passaram-lhe, sem inventos.

7
Em sua cabeça voltava
a juventude e o evento,
sendo o seu braço temido,
a sua flecha como o vento,
mais veloz e mais certeira,
na luta de qualquer tempo.

8
Seus olhos, os mais confiáveis,
vigiando noites escuras,
para defender sua terra
com todo amor e ternura,
porque assim a tribo inteira
sentia-se forte e segura.

9
O velho índio lutador,
além das recordações,
tinha a companhia da filha
mais formosa de feições,
um encanto de menina,
dedicando-lhe atenções.

10
Yarí, angélico sorriso,
não se casou com guerreiro
para cuidar do seu pai,
seu grande herói verdadeiro,
para que em sua companhia
viva seu dia derradeiro.

11
Certo dia chegou ao rancho
do velho índio guarani
um viageiro diferente,
com colorido croqui
em suas vestes pessoais,
fazendo surpresa ali.

12
O guarani logo viu
que de longe ele chegou,
pelos seus olhos azuis,
e como se apresentou.
Abriu a porta de couro
e pra entrar o convidou.

13
Yarí foi para a floresta
buscar a fruta madura,
mel das abelhas mirins,
com infinita doçura,
pro estrangeiro visitante,
uma elegante figura.

14
O guarani fecha os olhos
pra melhor poder falar
das riquezas do universo
que o tempo vai afastar,
recordando os episódios,
quando jovem foi lutar.

15
Contou muito ao visitante,
da vida e lutas travadas,
como foi feliz também.
Mas com idade avançada,
tanta força, já não tem,
porém, tem sua filha amada.

16
O velho índio guarani,
com a sua filha querida,
tudo fizeram pro bem
do visitante na lida,
que no rancho ficaria,
dando-lhe ótima guarida.

17
Naquele dia interessante
o sol desapareceu,
a noite tão silenciosa
sobre a terra já desceu.
Para o nobre visitante
uma rede se estendeu.

18
A virgem com sua voz suave
canções guaranis cantou
e o visitante cansado,
num sonho lindo embarcou,
dormindo tranquilamente
até que o sol o acordou.

19
Acordando o visitante,
logo foi-se despedir,
agradecendo ao bom velho
por deixá-lo lá dormir,
dizendo palavras lindas
para em seguida partir:

20
– Em tuas mãos repousa o bem,
em teu coração se abriga
toda a hospitalidade
dos charruas, a tribo antiga,
seu campo abre em mil caminhos,
seu viageiro não intriga.

21
– Justo no ser de tua filha
está guardada a pureza
dos seus lindos olhos d’água,
o encanto da natureza,
e alegria das madrugadas
de minha terra. Certeza!

22
– Digo que o senhor merece
uma boa retribuição
por tanta hospitalidade
e trato com atenção.
Aqui comi e descansei
sem qualquer preocupação.

23
– Peça-me o que desejar,
seu pedido vou acatar.
sou enviado do deus Tupã
que lhe quer recompensar.
por todo o bem que já fez,
este deus quer lhe abençoar.

24
O guarani respondeu:
– Nada mereço pela obra,
mas como a bondade imensa
de tupã, por sua manobra,
quer abençoar este rancho,
peço que meu alento dobra.

25
– Outrora, eu guiava co’afã
uma tropa de guerreiros,
mas hoje só a minha filha,
enche meu ser verdadeiro
de vida, carinho e amor,
até o meu dia derradeiro.

26
– O meu desejo é ter outro
companheiro, bom amigo,
que me dê ânimo na vida,
compartilhando comigo
as tristezas e alegrias
convivendo neste abrigo.

27
– Assim, Yarí poderia
com a sua tribo seguir
onde os seus jovens anseiam
por seu amor prá prosseguir
mais confiantes no caminho
e a vitória conseguir.

28
– Peço um amigo fiel,
um companheiro das horas,
para esquecer as saudades
do cavalgar com esporas,
e que preencha com doçura
os novos tempos de agora.

29
O emissário de Tupã,
com seus lábios num sorriso,
em suas mãos acalentou
uma planta, não o Narciso,
com suas folhas perfumadas
e luz num brilho preciso.

30
De vivas verdes folhagens,
a planta toda repleta,
com todo o seu aroma suave,
e de bondade completa,
talvez o mesmo perfume,
de Tupã que ora lhe afeta.

31
O enviado divino disse:
– Cuide bem, deixe crescer,
esta planta é especial.
De suas folhas vais beber
e terás um companheiro
que conforto vai trazer.

32
– Esta erva, que traz em si,
do Senhor Tupã, a graça,
se proliferá nas matas.
como quem também abraça,
trará o conforto e ação
para a tribo que congraça.

33
- Tu Yarí, a deusa serás
dos ervais e protetora
de todo o povo guarani.
– Serás a consoladora
dos guerreiros desta tribo,
e da erva, disseminadora.

34
– Ao sorver esta bebida,
Os guerreiros provarão
como se fosse a delícia
do teu carinho e atenção,
e as caminhadas da guerra
menos fatigantes serão.

35
– Depois do esforço da luta,
ou durante o trabalhar,
um descanso pra beber
um mate pra reanimar
creditando no vigor
que a erva-mate pode dar.

36
Já se afastando do rancho,
repetia aquele viageiro:
– Velho chefe guarani,
terás um fiel companheiro.
plante, cuide e beba o chá,
num cultivo verdadeiro.

37
Olhando outra vez, lhes disse:
– Yarí, de rara beleza,
senhora de ervais serás
da futura natureza.
tua raça protegerás
com todo amor e certeza!

38
A senhora dos ervais
e deusa dos ervateiros
chamada de Caá-Yarí,
auxilia os forasteiros,
que são fiéis eternamente,
levando os fardos inteiros.

39
Mas se algum vero ervateiro
quer mais que sua proteção,
e quiser ter mais fartura
escorrendo na sua mão,
poderá fazer um pacto
sagrado em santa união.

40
O ervateiro deverá
adentrar em uma igreja
em dias da semana santa
e sem ter medo da inveja,
solicitar Caá-Yarí
para que sua esposa seja.

41
Jurando viver pra sempre
nos ervais da natureza,
e voltando tão somente
para o culto, com certeza,
de sua deusa Caá-Yari,
dona de rara beleza.

42
Nunca amará outra mulher.
lá na igreja deixará
algum ramo de erva-mate,
e um bilhete escreverá
marcando logo um encontro
com a deusa que amará.

43
O fiel ervateiro, sozinho,
no dia marcado, lá irá
penetrar mata fechada,
onde Caá-Yari provará
a bravura, interrompendo
o caminho que andará.

44
No caminho, este ervateiro
muita fera encontrará,
e cobras na escuridão.
Se for forte, vencerá
todos perigos fatais
e o prêmio receberá.

45
A recompensa de Yarí:
É o amor da jovem doçura,
as noites cheias de prazer,
todos seus dias com fartura,
nos campos sempre terá
melhor erva da cultura.

46
Como por puros encantos,
os ervais se despirão
de suas folhas aromáticas,
surrões de couro encherão,
sem os mínimos esforços
do seu ervateiro bom.

47
Nas horas de suas pesagens
Caá-Yari fica invisível
pra todos, exceto o amante.
Assim, pousará incrível
sobre os feixes da erva-mate,
que aumenta o peso. Infalível!

48
Se o ervateiro não quebrar
seu sincero juramento,
a eterna felicidade
povoará seu pensamento
e Yarí sempre o ajudará
em qualquer empreendimento.

49
Neste pacto, o ervateiro
jamais terá outra mulher.
Mas se algum dia, novo amor
d’alguma fêmea sobrevier,
a sua grã felicidade
certamente vai perder.

50
Se o ervateiro for infiel
poderá ser encontrado
correndo pelas florestas,
louco, todo ensanguentado,
ou no meio dos ervais,
morto, corpo bem esticado.

51
Formosa deusa Caá-Yari
é cruel na sua vingança,
pois ela exige a verdade,
incondicional confiança,
sem traição e sem mentiras
que quebram qualquer aliança.

52
Matéria prima especial,
da erva-mate deste chão.
que seres de toda idade
vão beber com diversão,
um tereré bem gelado
ou um gostoso chimarrão!

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