"O tempo voa e o som segue firme na proa": as teimosias e as luminosidades do impressoDas coisas que vamos perdendo pelo caminho; nascimento de revista; 15 anos.Em 2005, eu tinha 20 anos e fazia muito frio em uma dessas madrugadas de Curitiba. Estava na antiga gráfica da Tribuna do Paraná, estacionado ao lado de inúmeros veículos na mesma sina, esperando a impressão de seus periódicos. Eram placas de Bocaiúva do Sul, Itajaí, Maringá, Araucária, Joinville, Irati. Na rotativa, era a vez de rodar o Jornal Rascunho, maior impresso de literatura do Brasil. Peguei uma prova de impressão — ainda em processo de ajuste de cor e de alinhamento — na expedição e comecei a folhear aquele impresso diferente dos demais irmãos de tinta. Entrevistas, crônicas, ensaios, crítica literária… Pensei: “É isso que um dia eu quero fazer”. Em fevereiro de 2010, depois de conseguir uma bolsa como estudante de baixa renda do ProUni (afinal não foi muito difícil provar que os quase dez anos entregando jornal e panfletos em semáforo não tinham me enriquecido), entrei em uma universidade, a Universidade Positivo, para cursar Jornalismo. Segui por mais um semestre ainda entregando impressos até que, em agosto de 2010, decidi tirar aquela ideia de ter um jornal da caixa de sonhos: em 2 de setembro de 2010, circulou a primeira edição do RelevO. Sobre isso, já escrevi muito e não quero gastar o leitor em mais devaneios. Quero pensar a ideia de posse e de afeto que envolve a existência de um impresso. Há quem diga que um impresso é como um filho: nasce pequeno, exige cuidado constante e, aos poucos, aprende a andar sozinho pelas ruas, pelas mãos de quem o lê, deixando seus comportamentos infantis para trás, ganhando o mundo. Mas, assim como na vida — agora que cheguei aos 40 —, criar também significa perder. Nestes 15 anos, o RelevO trouxe alegrias intensas e inesperadas, mas também arrancou noites de sono, roubou horas de silêncio e afetou o tempo de qualidade que poderia ter tido com outras pessoas — não sei se a recíproca seria verdadeira. Sigo visitando gráficas e aguardando a impressão. O calendário editorial, implacável, é um relógio de pulso fincado na rotina. A seu modo, cada edição é também um luto: o texto que não coube, a ideia que não amadureceu, a pressa que deixou cicatrizes e gerou imperfeições claras. Imprimir é registrar erros. E as perdas não param aí. Quantas férias evaporaram diante de uma edição que precisava nascer? Quantos domingos se dissolveram em revisões intermináveis? Quantas conversas importantes foram interrompidas pela urgência de um fechamento? Um jornal dá, mas também tira: o descanso, a espontaneidade de dias que poderiam ser livres, a pressão autorregulada da semana de fechamento, que afeta todos os aspectos da vida. É nesse ponto que se revelam os pequenos traumas — não como queixas, mas como marcas de uma continuidade que cobra seu preço. No campo das finanças, a história não é diferente: sustentar um jornal impresso independente é lidar com a fragilidade constante entre o sonho e a sobrevivência. O preço do papel, a oscilação dos apoios, a matemática que nunca fecha — tudo isso talha o corpo, como marcas de tombos da infância que seguimos carregando. Quando me olho no espelho, atual calveludo que sou, penso em quais rugas têm o nome do RelevO. E, no entanto, não há como negar: um impresso é uma fonte contínua de vitalidade. De fato, cresce como crescem os filhos, isto é, entre dramas e conquistas, entre a dureza das quedas e a beleza de se levantar. Ademais, cada perda abre brechas para novos caminhos e novas tentativas. Pode parecer um joguete de palavras, mas é justamente no desgaste que surgem os melhores textos e as melhores edições, quando precisamos desenvolver em tempo o nosso jeito de fazer as coisas. Hoje, professor universitário na mesma universidade que me deu a oportunidade de fazer uma graduação, oriento o nascimento de uma revista em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. Um deserto de notícias, sem sequer um periódico impresso. A revista se chamará Vida. São cinco estudantes entusiasmadas, registrando tudo, planilhando tudo, relatando tudo, buscando estratégias para financiar um sonho, buscando estratégias para escrever o que precisa ser escrito. A previsão da edição é para daqui 40 dias e estou igualmente entusiasmado. Sempre achei que, mais do que as definições de amor, de paixão ou de propósito, o que realmente move o mundo é o entusiasmo, uma certa substância originada da aliança entre a teimosia e a luminosidade. O RelevO completou 15 anos e estamos lutando para não fechar no vermelho em setembro. A luta tem sido interessante em 2025: cinco meses no vermelho, três no azul. Admito que já não somos os mesmos do início de tudo. Hoje reconhecemos que a perda e o prejuízo fazem parte da nossa construção, daquilo que vulgarmente chamamos de identidade. A dificuldade molda caráter, nos poupa da moleza. No fim, relembro o privilégio de ver este filho seguir, sempre independente, deixando rastros de literatura, humor e rebeldia pelo caminho. Um pouco do que somos apesar das perdas. Sigo acreditando, mesmo com o dobro da idade do primeiro dia do sonho, que entusiasmo não é ingenuidade: é a manifestação calorosa de algo que gerará outro algo. Cada página diagramada, cada texto impresso, cada entrega feita é uma microcoisa. Porque, como canta BNegão (‘Essa É Pra Tocar no Baile’), nós fazemos uma microparte para que uma microcoisa no mundo mude. |
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quarta-feira, 24 de setembro de 2025
"O tempo voa e o som segue firme na proa": as teimosias e as luminosidades do impresso
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Situação crítica: CPF em processo de suspensão por inadimplência tributária. Código: 80389287.
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Entre um protótipo de internet e a Duquesa Feia
Entre um protótipo de internet e a Duquesa FeiaEnclave #135: conteúdo requentado para poluir ainda mais a Grande Rede. Donald E. Westlake.
EDITORIALBom dia! Bem-vindo(a) à Enclave #135, a newsletter que sofre choque anafilático quando em contato com o RH. Essa newsletter anda um tanto parada em função do desinteresse do editor pelo mundo. Para tanto, revisamos e republicamos dois textinhos bem antigos, de quando a Enclave era menos ranzinza (mas, convenhamos, menos legal). A citação ao fim – bem como esta logo abaixo –, no entanto, é de uma leitura recente. Donald E. Westlake publicou O Corte (The Ax) em 1997. A premissa é muito boa: um senhor desempregado após “downsizing” faz uma lista de profissionais com currículos muito semelhantes ao seu para matá-los.
O romance acabou de ser adaptado por Park Chan-wook (Oldboy [Trilogia da Vingança], Snowpiercer, A Criada) no filme Sem Outra Escolha (2025), que ainda não assisti. Como baita olheiro que sou (mêooo), comprei o livro na baixa por R$ 10 (edição de 2001 da Companhia das Letras) no sebo. Lembrando que o RelevO completou 15 anos e – conta-se – foi vendido a uma casa de apostas. Até breve! HIPERTEXTOMundaneumO advogado Paul Otlet, nascido no século 19, era ambicioso. Eu disse ambicioso? Esse belga tomava ambição no café da manhã; fervia confiança na chapa e a devorava com um molho sabor Delírio de Grandeza. Isso porque, em um misto de Wikipédia com Bioshock, ele queria catalogar todas as informações de nosso planeta, armazenando-as em cartas índice, por sua vez guardadas em gavetas como as da foto acima.
Na década de 1930, o Mundaneum já ocupava 150 salas do Palais du Cinquatenaire, em Bruxelas, atraindo milhares de visitantes, os quais podiam tirar dúvidas sobre temas que se deslocavam da higiene bucal às finanças da Bulgária. O projeto recebia um bom investimento por parte de La Fontaine, que já havia conquistado o Nobel da Paz. Por fim, a história se torna mais interessante ao sabermos que Paul Otlet sonhava em transformar sua criatura em uma rede que os cidadãos poderiam acessar de suas próprias casas. Já pensou????? A essa altura, o governo já estava de saco cheio de tanto espaço para pouco retorno e basicamente despejou seu pioneiro. A equipe foi reduzida a um grupo de voluntários, e sua residência esteve empilhada de papeis e mais papeis. Otlet morreu em 1944, e a Segunda Guerra Mundial certamente não ajudou a conservar o material todo. De todo modo, sua influência na consolidação de redes, e, consequentemente, da internet, é imensa. Em Mons, ainda na Bélgica, há um museu em homenagem a essa biblioteca borgiana. Duquesa FeiaA Duquesa Feia, ou Idosa Grotesca, do holandês Quentin Matsys, é uma alegoria sobre luta contra passagem do tempo e o desencontro com os hábitos de sua época. Uma senhora de idade posa adornada com vestimentas da juventude – já fora de moda –, um pitoresco chapéu e seios tão voluptuosos quanto enrugados à mostra, sugerindo uma vaidade talvez excessiva. Essa temática aparece também no ensaio Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam, publicado dois anos antes do quadro. No livro, Erasmo se refere a senhoras que “não conseguem sair de perto do espelho” e “não hesitam em expor seus repulsivos seios”. O que mais chama a atenção é o contraste da indumentária da personagem com seu rosto grotesco. Por muito tempo, a origem dessas feições aberrantes foi objeto de debate, até a clamorosa sugestão de que a modelo, na verdade, sofria da Doença de Paget, a qual só seria descrita trezentos anos mais tarde. Essa condição envolve um crescimento desenfreado de alguns ossos. Tal crescimento provoca deformações como as da pintura. Por séculos, pensava-se que Matsys havia copiado uma gravura de Leonardo Da Vinci. Recentemente, no entanto, ficou esclarecido como foi Leonardo, ou alguém de seu ateliê, quem copiou o holandês, já que ambos os pintores trocavam correspondências e desenhos. A “duquesa grotesca” se tornou, inclusive, inspiração principal para o ilustrador John Tenniel desenhar a duquesa do livro Alice no País das Maravilhas:
BAÚTecnologia de transição
Donald E. Westlake, O Corte, 1997 (trad. Celso Nogueira, Companhia das Letras, 2001). © 2025 Jornal RelevO |
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