segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Latitudes #66

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Crônica do dia: Charlotte, e o triângulo vermelho!!! O trítono para além da escuridão

Crônica do dia: Charlotte, e o triângulo vermelho!!! O trítono para além da escuridão

 

''Eu navego pelo mar...

Da tranquilidade!

Eu tenho esperanças renovadas!

Pois tenho pensamentos probos.

Eu tenho pensamentos bons,

Eu sou uma pessoa muito feliz...

Mesmo sabendo...

Que tenho um longo...

E tortuoso caminho para percorrer! ''

Samuel da Costa

 

            O som da pá a cavar soa como a Diabolus in música, o trítono, aquele demoníaco intervalo musical de três tons inteiros tão temidos na longínqua Idade Média. Pelo menos para Gertrudes Martin, agora Katharina Dúbios era algo tão comum como acordar pela manhã.  

            — Será que ele dá conta do recado? — Perguntou com desdém Gertrudes Martin.

            — Dá conta sim! Na minha casa é ele que racha a lenha! — Respondeu Katharina Dúbios.

            — Na minha casa temos o Felisberto! — Retrucou Gertrudes Martin

            — Nossa senhora, que privilégio! — Comentou Katharina Dúbios.

            As duas mulheres de meia idade, levantaram as garrafas individuais de gasosas e brindaram. Estava de costas para o mar bravio, estavam sentadas em cadeiras de praia, usavam óculos escuros, estavam vestidas à moda veranistas acidentais em uma praia isolada agreste pouco frequentada e difícil acesso. Olhavam Klaus Von Marx, com as mangas da camisa branca arregaçada, com uma pá cavando uma cova rasa.

            — Tu conferiste se Margarida Cohen, está mesmo morta? — Perguntou a paisagista Gertrudes Martin.

            — Margarida Cohen? Margarida Correia ora bolas! E é claro que está viva minha querida, a sirigaita metida a bailarina está somente desmaiada — Respondeu Katharina Dúbios, que por anos trabalha como boticária.

              — Bom saber! — Disse Gertrudes Martin

            E de fato assim que Klaus Von Marx, ou Cláudio Marques jogou o corpo da bailarina na cova rasa, ela se mexeu, para o desespero do médico prussiano. Que se virou em abrupto para as duas mulheres, elas que respetivamente apontavam e dispararam simultaneamente pistolas Luger P08 nos ombros do médico, que se projetou para trás e caiu em cima da bailarina que murmurava palavras desconexas.

            — Agora é a nossa vez de trabalhar um pouco! — Falou Katharina Dúbios um tanto chateada.

            — Um pouco de esforço físico faz bem e antes que perguntes, vamos plantar uma linda jabuticabeira hoje.

            As duas mulheres se levantaram, calçaram as suas luvas de couro cru, pegaram as pás que estavam ao lado das cadeiras de praia, em simultâneo jogaram as pistolas Luger P08 na cova rasa. E começaram a jogar terra em cima do casal de amantes clandestinos.

            — E antes que me pergunte comprei as passagens de trem para a cidade mais longe que pude encontrar e doei para um casal desconhecido — Falou Katharina Dúbios, enquanto jogava terra na cova rasa.

              — Nos nomes de Margarida Correia e Cláudio Marques creio eu! E eu também comprei passagens de navio para o feliz casal Klaus Von Marx e Margarida Cohen, vão embarcar daqui a pouco, também fiz a caridade de doar as passagens para um casal desconhecido e suspeito — Confidenciou Gertrudes Martin para a sua cúmplice.

            As ondas quebravam na orla marítima, acomodadas em suas respectivas cadeiras de praias, as idosas Katharina Dúbios e Gertrudes Martin estavam em total silêncio, estavam usando um biquinho de peça única e atrás das duas respeitadas e bem sucedidas senhoras. As duas amigas levantaram os seus respectivos refrigerantes e deram um brinde, um pouco atrás das duas veranistas acidentais, uma frondosa jabuticabeira reinavam absoluta, dando os seus frutos por anos. Frutos que por algum motivo eram ignorados por qualquer ser vivente, ao longe um galeão espanhol despontou no horizonte, era um teatro pirata bufo para entreter turistas naquela baixa temporada.      

Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Arte digital de Clarisse Costa, é designer gráfico, poetisa novelista, contista e cronista em Biguaçu, Santa Catarina.  

 

domingo, 26 de outubro de 2025

Crônica do dia: Charlotte, e o triângulo vermelho!!!

Crônica do dia: Charlotte, e o triângulo vermelho!!!

 

Quando anoitece, a minha mente fica inquieta,

Tenho necessidade de escrever e ler, até que eu possa adormecer.

Caminho de acordo com o vento, deixando o meu rastro,

Conhecendo mundos opostos, assim crio minhas histórias, utopias,

Muitas vezes complexas e outras não.

Fabiane Braga Lima

 

            A casa no alto da colina, ao pé de uma pequena cadeia de morro à beira-mar, não destoava das casas vizinhas, pelo menos não pela opulência e sim pela arquitetura pós-modernista e pintura opaca verde e branco. O que também destoava naquela suntuosa mansão, naquela rua sem saída, era a sua funcionalidade, pois a residência fora adaptada para ser uma clínica de fisioterapia e casa de repouso. O bairro requintado, a rua sem saída, próxima de uma rodovia movimentada, no entre cidades, o entorno da mata-atlântica, relativamente próximo do mar, fazia aquele o lugar ideal, para aquele pólo, de uma sofisticada rede de saúde pública-privado. A companhia Bernard e Kerber, de consultoria médica e de saúde, era na prática, uma informal rede ampla e complexa de consultórios médico, odontológico, psicológico e oftalmológico, casas de repouso, hospitais, laboratórios de análises clínicas, fornecedores e destruidores de suplementos médicos, hospitalares e alimentares para pessoas com restrições alimentares. Uma rede empresarial e de profissionais liberais, ligado e interligado a família Bernard e Kerber, uma rede construída e constituída por laços familiares e suas trocas de cartões de visitas.

            — O que a doutora Charlotte propõe é absurdo e eu não posso dizer de outro jeito! — Disse Margarida Cohen e levou uma xícara de chá aos lábios e continuou — Ir à praia? Muitos de nós, nem consegue sair da cama.

            O semicírculo, de senhoras de idade avançada, tinha a sua frente a psicóloga Charlotte Bernard Kerber, a psicóloga, dona e diretora do espaço onde ocorria o conclave.

            — Eu não sei Guida, eu não aguento mais ficar presa aqui, presa neste lugar! Tu ainda voltas para casa, nos finais de semana, nós ficamos aqui! — A voz de Rosa Schneider trovejou pela sala de reuniões.

            Margarida Cohen, ficou chocada com a fala da outra, de interna de tempo integral, Margarida Cohen, acostumada a não ser contrariada, por uma antiga subalterna agravava ainda mais a situação.

            Elise Meyer, que estava ao lado de Margarida Cohen, levantou a mão, ou tentou, pois Margarida, segurou a mão da mesma.

            — Eu concordo, faz tempo que eu não uso, o meu biquíni fio-dental peça única! — Falou a octogenária Elise Meyer, florista aposentada, a voz da idosa, também trovejou pela sala, seguida de um silêncio constrangedor, seguido de risos discretos e risadas estrondosas.

            E assim o debate se sucedeu, pois Adelaide Schmidt, Juliette Müller, Genevieve Weber, Jeanne Schneider, Marie Meyer, Elisabeth Muller, Gertrudes Martin e Katharina Dúbios de forma variada concordaram com Charlotte Bernard Kerber.

            Um senhor de cabelos brancos, em uma cadeira de rodas elétrica, passou na frente da porta da sala onde o conclave ocorria. Margarida Cohen, enfurecida, se levantou e saiu da sala, os saltos altos de madeira batiam com força no chão frio de mármore branca. Um silêncio glacial tomou conta da sala de reunião, dando termino a sessão de terapia coletiva. Charlotte Bernard Kerber ergueu a mão direita aberta e moveu da direita para a esquerda, a porta da sala se fechou com força e olores de lírios e rosas fluíram no ambiente.   

            — Até agora eu não entendi direito, qual é a proposta! — Disse com a voz trêmula, Katharina Dúbios, a secretária executiva aposentada.

            Todas as senhoras de idade avançadas, na sala, olhavam para Charlotte Bernard Kerber, com certa curiosidade. Pois todas ali, foram convidadas para aquele conclave, todas foram visitadas em sonho, por Charlotte Bernard Kerber. Não estavam em oníricos jardins esplendorosos, nem na exuberante e quimérica cidade das nuvens ou mesmo no deserto desolado da rainha Afra Luna Dark e em nenhum lugar da terra dos sonhos. Era um recanto quase inacessível da Praia dos amores, uma pequena praia rochosa próxima uma morraria coberta pela mata-atlântica, ali Charlotte Bernard Kerber, fez em datas variadas um convite a todas e a única que recusou foi Margarida Cohen. Tendo um magnificente galeão espanhol, com pano de fundo ao arrebol, os grasnares estridentes de gaivotas, que flanavam próxima a orla, até um dirigível que singrava no horizonte, até surgir um portal, a belonave entrou na Ponte Einstein-Rosen, o buraco de minhoca desapareceu logo depois. E todas tiveram a estranha sensação de já ter presenciado a cena anteriormente. Margarida Cohen, era a única que não lembrava do estranho sonho, ver uma versão mais Charlotte Bernard Kerber, ela vestida com brancos trajes cerimoniais, ornada com emblemas desconhecidos na nossa realidade.    

            — Simples senhoras e senhoritas, o que o triângulo vermelho, oferece é uma oportunidade única e para poucos! — Disse Charlotte Bernard Kerber, os olhos cinzas, a pele esbranquiçada e os cabelos negros, ditaram o tom da conversa, pois a senhora frágil, grisalha e de olhos claros tinham desaparecido! — É voluntário, aqui ninguém é obrigada nada, é uma mistura do que vocês querem, do que vocês merecem, do que se pode oferecer. Às vezes é um vislumbre do passado, um breve momento no presente e um olhar no futuro.

            — Tudo um tanto vago e indefinido minha cara! — Disse Gertrudes Martin, a estenógrafa aposentada, em um dialeto estranho, que a falante não soube explicar como proferira tal fala, em um idioma estranho as mulheres ficaram estupefatas, por compreenderem a fala de Gertrudes. E em uma olhada rápida, todas perceberam que tinham rejuvenescido e usavam batas brancas cerimoniais, diademas de ouro cravejados de joias, gargantilhas, pulseiras e anéis, com designers que não pertenciam a este plano.

            Charlotte Bernard Kerber, somente sorriu para as mulheres, os dentes alvos e os olhos acinzentados e o belo rosto moldado pelas madeixas, que caíram nos ombros, retratou uma cena já vista anteriormente pelas jovens senhoras naquele conclave.  

Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Arte digital de Clarisse Costa, é designer gráfico, novelista, contista e cronista em Biguaçu, Santa Catarina.