Mercado de transferência de síndicos: finalmente, ordem & progresso?O universo dos síndicos – e, consequentemente, das residências – nunca mais foi o mesmo. O que mudou? Explicamos (mais ou menos).Nesta newsletter, resgatamos textos publicados no Jornal RelevO e já devidamente esquecidos. Dessa vez, trazemos um mais recente: as centrais da edição de junho de 2024. Esse conteúdo fecha uma trilogia da bobajada burocrática fictícia iniciada em “Brasil aprova Lei da União Instável” e “Governo Federal promove evento de troca de estado de nascença para brasileiros”. Para mais textos antigos do RelevO, confira a seção Do Papel. Vida do LivroO já tradicional Vida do Livro, organizado por Daniel Lameira, está com inscrições abertas para sua próxima turma, cujo primeiro encontro acontece em 17 de outubro. O curso ensina e detalha todas as etapas da produção de um livro, com aulas ao vivo e gravadas. A Seiva, que hoje abriga o material, é parceira do RelevO: já concluímos o Vida do Livro uma vez e recomendamos fortemente. Além de muito conhecimento de causa, Lameira reúne uma variedade impressionante de convidados, contemplando desde a arte da capa até valiosas orientações comerciais. Também há 200 bolsas disponíveis com 80% de desconto para pessoas negras, trans, indígenas ou em situação de vulnerabilidade social/econômica (formulário aqui). Centrais da edição de junho de 2024 do Jornal RelevO. Diagramação: André Delavigne. Mercado de transferência de síndicos: finalmente, ordem & progresso?O universo dos síndicos – e, consequentemente, das residências – nunca mais foi o mesmo. Em 1º de julho, completam-se seis meses da entrada em vigor do Novo Marco Sindical, ou Lei n. alguma coisa (não pesquisamos a fundo, e não é como se alguém fosse conferir – faz diferença a Lei n. 4.882/2024 ou 12.987/2024? Pois é). A partir de sua promulgação, o mercado de transferência de síndicos foi liberado em solo nacional. O que mudou? É o que te explicamos nesta matéria repleta de má-vontade, sem revisão final e movida primordialmente pela vontade de acabar logo para jantar. Pré-temporadaTudo começou com uma brincadeira maldosa no bairro Alto da XV, em Curitiba (PR), há pouco mais de um ano. Matheus Ribanete, morador de um condomínio composto de quatro prédios, no qual cada torre dispõe de um síndico, sonhava em inverter os líderes dos prédios. “Eu pensei no draft de síndico – não é justo ter quatro torres, três síndicos e uma toupeira logo na nossa”. O alvo de sua revolta consistia na aposentada Gislaine Ferraz, ininterruptamente eleita para o cargo desde 2007, também revendedora de cosméticos pelo WhatsApp. Ao contrário da figura austera a que associamos à posição, Gislaine não gosta de problemas, nem de conflitos, nem de comunicação. Dotada de um português no máximo intermediário e indisposta a escrever qualquer mensagem – ela prefere falar ou mandar catálogos –, a síndica do Ed. Napoleão, dentro do condomínio Europa, rechaça as críticas que tem recebido “de uma minoria jovem e meio vagabunda”, o que incomodou nossa repórter estagiária, cujo Twitter tem foto de anime. Indiferente a isso, Larissa Lanumoro, outra moradora, startupeira aposentada por burnout e hoje assessora do deputado estadual Carlos Lage (PDVT), enxergou uma oportunidade na brincadeira de seu vizinho. “E se os síndicos virassem um grande… mercado?”, matutou, os olhos já brilhando ao vislumbrar rodadas de investimento. Ciente de que a modalidade de síndico externo existe há anos, ela decidiu levar adiante um teste: comprar o passe de Alexandre Severo, famoso por liderar uma grande renovação no Ed. Marselha (Centro), “que era, convenhamos, um grande puteiro mofado”. Lanumoro, que lá morou em seus anos de startup – evitamos o assunto ao notarmos certo delirium tremens –, logo se lembrou da enorme competência de Severo, então deu um jeito de contratá-lo em nome do Ed. Napoleão, pagando-lhe (e ao Ed. Marselha) um valor de transferência. A operação foi menos complicada do que imaginávamos, tamanha a bagunça que Ferraz impunha às contas do prédio, permeado por um profundo desinteresse e, que Deus nos perdoe, pela incomensurável incompetência de se juntar um bando de boomers para administrar qualquer coisa. A prestação de contas mensal era uma folha de papel almaço; o conselho, um cenotáfio. Nessa quizumba, a chatíssima Gislaine Ferraz está desaparecida há 22 dias, mas este realmente não é o foco da nossa matéria – que o próximo podcast de true crime faça bom uso. Lanumoro desconversa. Um império entre Cômodo e SeveroNo novo draft da vida, Alexandre Severo enfim foi apresentado como first pick. Sua comissão, composta de zelador e um porteiro, o acompanha nessa nova empreitada. “Primeiro que ninguém me chama de Alex, segundo que para mim é uma grande honra. Sou profissional e venho aqui para fazer um ótimo trabalho e, se Deus quiser, quem sabe um dia ocupar esse cargo num prédio de 64 andares em Camboriu”. A declaração pegou mal para Severo, que se corrigiu: “minha cabeça está 100% focada no Napoleão”. Holofotes: eis algo com que o contador de formação (e de alma) nunca havia lidado. “De fato, parece que algo mudou”. Atento a tudo isso – até ao desaparecimento de Gislaine, “porque essa m**da não pode feder pra mim, hein” – e orientado por Larissa Lanumoro, o deputado estadual Carlos Lage colhia impressões. “Basicamente preciso descobrir se isso me traz voto dos gays”. Se a resposta para esta questão ainda não vinha, Lage, um observador nato que promete renovar a política com ideias do Feudalismo, logo absorveu tudo de que precisava. Havia sim algo diferente no ar. O deputado avistou um sem-teto próximo ao muro do Ed. Napoleão, então concentrou o olhar no que lhe interessava: havia, no muro, uma enorme e recente pichação. Depois de chutar suavemente o sem-teto para lhe permitir a leitura completa, Lage correu para chamar sua assessora. A pichação – “MAR$IO TRAIDOR ABANDONOU O MARSELHA PAU NO C* PALHAÇO CORNO” – gerou uma epifania. A transferência de síndicos trouxe aquilo de que o brasileiro mais gosta: tribalismo. Estendendo a pesquisa para toda a sua equipe, Carlos Lage confirmou sua hipótese inicial: havia novas rivalidades bestas, traços de identidade rasos e o eterno espírito “meu peru é maior que o seu”, principalmente quando o assunto é vangloriar-se com o peru alheio. A máxima “brasileiro não gosta de futebol, brasileiro gosta de ganhar” nunca lhe parecera tão verdadeira. Ao contratar um síndico de outro lugar, um morador pode se sentir bem consigo mesmo – mesmo sem fazer ideia de quem seja este profissional; de como era o outro prédio; do que isso significa para sua vida; de como o bolor já atingiu todo o salão de festas do seu próprio espaço. O importante é que você está melhor que ele, ao menos no plano discursivo (“levei vantagem hihi”). A sensação de ganhar quando se permanece um fo**do: em que mais consiste toda a psique nacional? Astuto, Lage – que só entrou na política para irritar um primo – sabia muito bem disso. Em alguns casos, esses elementos tóxicos poderiam até – pasmem – incentivar um bom trabalho. Basta observar a rivalidade saliente entre os edifícios von Bismarck e van Basten, no simpático bairro do Bigorrilho, que realmente se chama Bigorrilho, ainda em Curitiba. Antes do Novo Marco Sindical, os dois predinhos, unidos por uma rua sem saída e um jardinete às traças (e bitucas), viam-se completamente largados. Porém, a despeito do espaço comum, a animosidade imperava: “lá só tem favelado” foi a frase mais publicável que conseguimos extrair de uma senhora do von Bismarck que não quis se identificar. Tudo mudou quando o Ed. van Basten contratou a síndica René Michel, que em menos de uma semana acabou com todos os latidos tardios da região (e não explicou como, mas ninguém perguntou ou perguntará), bem como exterminou os excrementos caninos que assolavam o jardinete (“não eram só caninos; digo, nem sei”, relatou um morador antes de subir às pressas). Enfezado pelo bom trabalho alheio, o conselho do Ed. von Bismarck também trouxe um síndico profissional direto do Rio de Janeiro – não sem antes sondar Alexandre Severo, já atrelado a uma multa milionária com o Ed. Napoleão. Francisco Fernando desembarcou em Curitiba e em menos de um mês reconstruiu com os próprios punhos uma área comum extraordinária para os dois prédios – o que, naturalmente, irritou o edifício rival. Em uma reviravolta emocional rodrigueana, o ódio passou a estimular atitudes nobres por motivos estritamente podres. Repleto de conclusões, Carlos Lage formatou a ideia, demitiu Lanumoro (“antes que encontrem aquela desaparecida”) e se tornou o maior proponente do Novo Marco Sindical, que logo avançou pelo Paraná e evoluiu para lei nacional. Síndico superstar: uma nova era?Com previsão de entrega para dezembro de 2024, o Ed. Piazza Nostradamus, no desprezível bairro de Itaim Bibi – por si só um nome ridículo cuja origem não nos interessa –, em São Paulo (SP), pensou alto. Muito alto. A gestão, repleta de hominhos de colete com sobrenome italiano, promete importar do Sul dos Estados Unidos ninguém menos que Duncan Anderson, “the cowboy”. Anderson não é qualquer síndico, e sim o ganhador do Bilan D'Or pela revista France Fürrbahl, cujo nome é apenas uma grande coincidência em homenagem ao maior síndico da história, o alemão (óbvio) Ralf Fürrbahl (1892-1944), do edifício France, em Dresden. Por sua vez, o cowboy é considerado o primeiro síndico superstar e, com seus modos rústicos e linguajar simplório o suficiente para americanos considerarem Greatest of All Time em mais alguma área da sociedade – a France Fürrbahl é americana –, conquistou uma legião de fãs. Ele ainda não confirma oficialmente o acerto, trazido em primeira mão pelo Portal Sindical e confirmado pela Folha de S. Paulo, já com uma editoria dedicada ao mercado de síndicos. De todo modo, o hype venceu e vendeu, pois não há mais unidades disponíveis no Ed. Piazza Nostradamus, que com muita elegância homenageia pináculos da sociedade como Las Vegas, Disney World e Dubai num só projeto. Segundo o economista Ivan Bangus, entre transferências e reformas, o Novo Marco Sindical deve acrescentar 2% ao PIB brasileiro – “isso, claro, se não derrubar o país antes”. Do outro lado deste balancete, Larissa Lanumoro, abandonada na política, retornou ao mundo das startups e promete o primeiro “Tinder de síndicos” ainda para 2024. “Vai ser o Sindicozinho, ou outro nome, porque talvez eu use Sindicozinho para um app de culinária, que também sai esse ano”, reflete, já há 91 horas sem dormir. Lanumoro mantém conversas para lançar o primeiro jogo de Playstation 5 do universo sindical. Mistura de The Sims com Winning Eleven 7 com Final Fantasy XI, o Building Manager 2025 promete um “modo carreira sinistro” com síndicos licenciados ao redor do mundo. Satisfeitíssimo com a reação em cadeia (“como assim cadeia? Ninguém aqui vai pra cadeia”), Carlos Lage colhe vitória em sua mansão no Ecoville, região nobre de Curitiba cujo nome real é Mossunguê. “O bom é que moro em casa, né”, garante-se, saboreando um vinho que poderia ser tanto melhor como mais barato. Lage é o grande favorito à próxima eleição de governador do Paraná, “que nada mais é que um síndico entre Santa Catarina e São Paulo”. Notícias relacionadas:
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terça-feira, 10 de setembro de 2024
Mercado de transferência de síndicos: finalmente, ordem & progresso?
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