Tenho dezessete anos. Já devem ser mais de dez horas da noite. Não tenho certeza, pois saí as dez da escola e já faz uns quantos minutos que aqui estou. Onde? Sentada na escadaria do prédio da Escola J. M. Coloco os livros no degrau da escada e sento-me sobre eles, esperando pela carona de meu pai.
A escola J. M. é enorme. Ocupa um quarteirão inteiro. Ao subir essa escadaria com vinte degraus (contei-os enquanto espero), chega-se num saguão chamado de Sala de Espera. Quem aí espera para ser atendido pela diretora, fica rodeado de fotos de ex-professores homenageados.
Passando por esse saguão, chega-se numa bifurcação: à esquerda, longo corredor com vinte salas de aula e a direita também. Em frente da bifurcação, uma longa escadaria que leva ao segundo andar igualzinho ao primeiro. Isso é somente uma ala da escola. Nos fundos existe um grande pátio com área de lazer e quadras para prática de esporte. Cercando esse pátio, surgem mais três blocos com dois andares cada, contendo mais salas de aula.
Quem conhece a Escola J. M. sabe de sua imponência física e educacional. É uma escola mantida pelo governo estadual com educação pública de alto nível. Estudo no período noturno, pois trabalho como recepcionista num escritório de advocacia durante o dia. Curso o último ano do segundo grau e prestes a fazer as provas do Vestibular.
Ocasionalmente acontecia um fato engraçado: a porta da sala de aula se abria bem devagar, rangendo seus velhos e enferrujados parafusos. Olhávamos para a porta aberta e gritávamos num uníssono: - ENTRA J.M.! ENTRA! Nem os professores conseguiam conter o riso. Virou lenda! Quem estudou no J.M. sabe dessa brincadeira fantasmagórica!
Todos os alunos estão indo embora. Todos? Todos menos eu que espero sentada na escadaria. Vejo os professores e outros funcionários saindo também. Aceno para uns, converso com outros. A escola está ficando vazia. O silêncio aumenta. Escuto um barulho de interruptor sendo desligado e todas as luzes se apagam, com exceção da lâmpada que fica no lado de fora da escola. É a última funcionária que sai: Dona Leda, a bibliotecária. Esquelética, alta, cabelos brancos pintados de louro ou louro pintados de branco? Não sei. As rugas do seu rosto são salientadas pelo excesso de maquiagem.
- Puxa! Você ainda está aí? Já são 22h30min e já foram todos embora! Vai ficar sozinha? Tem medo? Quer que fique mais um pouco com você? – pergunta ela ao deparar-se comigo na rua.
- Não, Dona Leda. Pode ir em paz. Meu pai já deve estar chegando. Obrigada mesmo assim. – disse para tranquilizá-la, mas estava com medo de ficar só.
Dona Leda vai em direção ao seu Fusca que a espera em frente da escadaria do prédio. É o último veículo a sair.
O luar está lindo, mas amedrontador. Céu preto tendo ao centro aquela enorme e brilhante lua que clareia mais ainda o granito branco da escadaria. Fico ali me sentindo como o centro das atenções: iluminada pelo luar, numa escadaria branca e rodeada de escuridão e silêncio por todos os lados. Centro das atenções de quem? Não há pessoas na rua e nem veículos!
- Só falta o J.M. aparecer aqui. Vou falar para ele: “SENTA J.M.! SENTA!” Vamos ficar batendo papo prá passar a hora mais rapidamente! (O que o medo faz a gente pensar!).
O tempo continua passando. Escuto vozes e risadas. É um grupo de rapazes que se aproxima da escola, caminhando pelo meio da rua. Vêm rindo, gritando, chutando as lixeiras e derrubando os lixos nas calçadas.
- Tomara que não me vejam. Agora não dá mais tempo de sair desta claridade e ir para um canto mais escuro. Eles vão perceber que estou me escondendo. – penso apavorada.
O grupo passa olhando-me. Murmuram como se estivessem combinando algo.
- Será que vão me assaltar?
Continuam caminhando até a esquina, onde termina o prédio da escola. Ali ficam parados por uns dez minutos, olhando para mim e conversando.
- Estou fudida! Eles vão vir para cá. Tenho certeza. O que posso fazer? Para onde vou? Será que dá tempo de sair daqui e caminhar até a esquina oposta sem chamar a atenção deles? Paizinho, onde o senhor está? Será que se esqueceu de buscar sua filhinha querida na escola?
Ao terminar esse pensamento, escuto um barulho de carro que passa na esquina.
- Tomara que esse carro vire para cá. Se virar, deve ser meu pai. Vou fazer pensamento positivo.
O carro vira na esquina, mas passa em alta velocidade em frente à escola.
- Que merda! Não era meu pai. Não sei se estou apavorada, triste ou com raiva.
Já passa das 23 horas. Outro carro vira a esquina. Meu coração dispara de alegria e alívio ao reconhecer o carro de meu paizinho. Levanto-me da escadaria e corro até o carro que já está estacionando. Aproximo-me e vejo que meu pai está no banco do carona e quem está dirigindo é meu tio Elcyr.
- Nossa! Que alegria em ver vocês! Como demoraram! Foram apenas sessenta minutos de espera, mas que pareceram cerca de quatro horas!
- Filha, você esqueceu que seu tio Elcyr estava chegando de viagem? Ficamos conversando... Conversando... E nem vimos o tempo passar! Desculpe pelo atraso.
- Oi sobrinha querida! Quanta saudade! A culpa foi minha, viu? Comecei a falar e não parei mais!
- Tudo bem, gente! Não há problema algum, mas vamos sair logo daqui. Estou morrendo de vontade de chegar ao aconchego do nosso lar. – disse aflitamente, olhando para o lado oposto de onde estava o grupo de rapazes.
Simone Possas Fontana
(escritora gaúcha de Rio Grande-RS,
membro da Academia de Letras do Brasil/MS, ocupando a cadeira 18,
membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,
membro da UBE/MS – União Brasileira de Escritores,
autora dos livros MOSAICO, A MULHER QUE RI e PCC,
graduada em Letras pela UCDB,
pós-graduada em Literatura,
contista da Revista Criticartes,
Nota da Autora:
- Conto escrito em fevereiro/2014
- Publicado no blog: simonepossasfontana.wordpress.com
- Publicado no site: www.recantodasletras.com.br
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