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domingo, 26 de outubro de 2025

Crônica do dia: Charlotte, e o triângulo vermelho!!!

Crônica do dia: Charlotte, e o triângulo vermelho!!!

 

Quando anoitece, a minha mente fica inquieta,

Tenho necessidade de escrever e ler, até que eu possa adormecer.

Caminho de acordo com o vento, deixando o meu rastro,

Conhecendo mundos opostos, assim crio minhas histórias, utopias,

Muitas vezes complexas e outras não.

Fabiane Braga Lima

 

            A casa no alto da colina, ao pé de uma pequena cadeia de morro à beira-mar, não destoava das casas vizinhas, pelo menos não pela opulência e sim pela arquitetura pós-modernista e pintura opaca verde e branco. O que também destoava naquela suntuosa mansão, naquela rua sem saída, era a sua funcionalidade, pois a residência fora adaptada para ser uma clínica de fisioterapia e casa de repouso. O bairro requintado, a rua sem saída, próxima de uma rodovia movimentada, no entre cidades, o entorno da mata-atlântica, relativamente próximo do mar, fazia aquele o lugar ideal, para aquele pólo, de uma sofisticada rede de saúde pública-privado. A companhia Bernard e Kerber, de consultoria médica e de saúde, era na prática, uma informal rede ampla e complexa de consultórios médico, odontológico, psicológico e oftalmológico, casas de repouso, hospitais, laboratórios de análises clínicas, fornecedores e destruidores de suplementos médicos, hospitalares e alimentares para pessoas com restrições alimentares. Uma rede empresarial e de profissionais liberais, ligado e interligado a família Bernard e Kerber, uma rede construída e constituída por laços familiares e suas trocas de cartões de visitas.

            — O que a doutora Charlotte propõe é absurdo e eu não posso dizer de outro jeito! — Disse Margarida Cohen e levou uma xícara de chá aos lábios e continuou — Ir à praia? Muitos de nós, nem consegue sair da cama.

            O semicírculo, de senhoras de idade avançada, tinha a sua frente a psicóloga Charlotte Bernard Kerber, a psicóloga, dona e diretora do espaço onde ocorria o conclave.

            — Eu não sei Guida, eu não aguento mais ficar presa aqui, presa neste lugar! Tu ainda voltas para casa, nos finais de semana, nós ficamos aqui! — A voz de Rosa Schneider trovejou pela sala de reuniões.

            Margarida Cohen, ficou chocada com a fala da outra, de interna de tempo integral, Margarida Cohen, acostumada a não ser contrariada, por uma antiga subalterna agravava ainda mais a situação.

            Elise Meyer, que estava ao lado de Margarida Cohen, levantou a mão, ou tentou, pois Margarida, segurou a mão da mesma.

            — Eu concordo, faz tempo que eu não uso, o meu biquíni fio-dental peça única! — Falou a octogenária Elise Meyer, florista aposentada, a voz da idosa, também trovejou pela sala, seguida de um silêncio constrangedor, seguido de risos discretos e risadas estrondosas.

            E assim o debate se sucedeu, pois Adelaide Schmidt, Juliette Müller, Genevieve Weber, Jeanne Schneider, Marie Meyer, Elisabeth Muller, Gertrudes Martin e Katharina Dúbios de forma variada concordaram com Charlotte Bernard Kerber.

            Um senhor de cabelos brancos, em uma cadeira de rodas elétrica, passou na frente da porta da sala onde o conclave ocorria. Margarida Cohen, enfurecida, se levantou e saiu da sala, os saltos altos de madeira batiam com força no chão frio de mármore branca. Um silêncio glacial tomou conta da sala de reunião, dando termino a sessão de terapia coletiva. Charlotte Bernard Kerber ergueu a mão direita aberta e moveu da direita para a esquerda, a porta da sala se fechou com força e olores de lírios e rosas fluíram no ambiente.   

            — Até agora eu não entendi direito, qual é a proposta! — Disse com a voz trêmula, Katharina Dúbios, a secretária executiva aposentada.

            Todas as senhoras de idade avançadas, na sala, olhavam para Charlotte Bernard Kerber, com certa curiosidade. Pois todas ali, foram convidadas para aquele conclave, todas foram visitadas em sonho, por Charlotte Bernard Kerber. Não estavam em oníricos jardins esplendorosos, nem na exuberante e quimérica cidade das nuvens ou mesmo no deserto desolado da rainha Afra Luna Dark e em nenhum lugar da terra dos sonhos. Era um recanto quase inacessível da Praia dos amores, uma pequena praia rochosa próxima uma morraria coberta pela mata-atlântica, ali Charlotte Bernard Kerber, fez em datas variadas um convite a todas e a única que recusou foi Margarida Cohen. Tendo um magnificente galeão espanhol, com pano de fundo ao arrebol, os grasnares estridentes de gaivotas, que flanavam próxima a orla, até um dirigível que singrava no horizonte, até surgir um portal, a belonave entrou na Ponte Einstein-Rosen, o buraco de minhoca desapareceu logo depois. E todas tiveram a estranha sensação de já ter presenciado a cena anteriormente. Margarida Cohen, era a única que não lembrava do estranho sonho, ver uma versão mais Charlotte Bernard Kerber, ela vestida com brancos trajes cerimoniais, ornada com emblemas desconhecidos na nossa realidade.    

            — Simples senhoras e senhoritas, o que o triângulo vermelho, oferece é uma oportunidade única e para poucos! — Disse Charlotte Bernard Kerber, os olhos cinzas, a pele esbranquiçada e os cabelos negros, ditaram o tom da conversa, pois a senhora frágil, grisalha e de olhos claros tinham desaparecido! — É voluntário, aqui ninguém é obrigada nada, é uma mistura do que vocês querem, do que vocês merecem, do que se pode oferecer. Às vezes é um vislumbre do passado, um breve momento no presente e um olhar no futuro.

            — Tudo um tanto vago e indefinido minha cara! — Disse Gertrudes Martin, a estenógrafa aposentada, em um dialeto estranho, que a falante não soube explicar como proferira tal fala, em um idioma estranho as mulheres ficaram estupefatas, por compreenderem a fala de Gertrudes. E em uma olhada rápida, todas perceberam que tinham rejuvenescido e usavam batas brancas cerimoniais, diademas de ouro cravejados de joias, gargantilhas, pulseiras e anéis, com designers que não pertenciam a este plano.

            Charlotte Bernard Kerber, somente sorriu para as mulheres, os dentes alvos e os olhos acinzentados e o belo rosto moldado pelas madeixas, que caíram nos ombros, retratou uma cena já vista anteriormente pelas jovens senhoras naquele conclave.  

Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Arte digital de Clarisse Costa, é designer gráfico, novelista, contista e cronista em Biguaçu, Santa Catarina.  

 

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