Entre prosas, versos  e iconografias afins 
Arte-viva no palco da  vida  
    Para a atriz Sabrina  Vianna
     
    ''Intenso!!! Qualquer  dia desses
    Eu vou fazer outra  página mais suave''
    Fabiane Braga Lima
     
    Eu não existo por  inteiro
    Pois ao final da  tarde
    Quando agonizar o  arrebol
    Vou pôr os meus  fatigados
    Pés descalços
    Nas areias mornas da  praia
    Não como uma  veranista acidental
    E sim como uma  náufraga desterrada
    Perdida e desesperada
    A quem fez injúrias  aos reis e rainhas
    No velho mundo
    ***
    Eu não quero existir  por inteiro
    Ao final da tarde
    Vou ficar diante do  Atlântico
    E imaginar que estou  no teatro mágico
    Com os olhos  semicerrados
    Pelas luzes da  ribalta  
    Ouvindo o colossal  zunido dos aplausos
    Que vem da  plateia  
    Talvez Henrik Ibsen,
    Talvez o pato  selvagem
    Quem sabe
    ***
    Já desisti de existir  por inteiro 
    Ao final da tarde
    Vou fazer o que nunca  fiz
    Pelo menos na vida  adulta
    Vou caminhar  lentamente
     Pela orla do  oceano outonal  
    Como uma anti-artista  qualquer
    Que se mistura a  plebe
    Ao final da tarde
    Clarisse Cristal é poetisa e  bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina  
     
     
     
    O Alfa e o  ómega: Portal to Doomsday
     
    Encontrei as chaves perdidas de papai
    Estavam lá,  estáticas e bem seguras
     Na  algibeira interna
     Do meu  sobretudo negro 
    Agora sou eu  que não me encontro mais 
    Acordo pelo  amanhã
    E contiguo a  mim
    Uma angustia  Infinda
    De ser uma  outra pessoa
    Alheia do que  fui até a pouco
    Clarisse  Cristal
     
               
                 Ao recobrar a consciência Grege Sanders  percebeu uma movimentação das tropas. O estudante de arquitetura olhou para  cima e viu um Zepelim moderno, que lentamente pendia do céu, rumo ao chão. A  poucos metros uma guarnição de militares fortemente armados formaram um  corredor e uma banda marcial uniforme hussardo estava postada ao lado da coluna  esquerda.
                 Sanders por fim recobrou totalmente a consciência, olhou para os lados e  percebeu onde estava. Parecia que estava em um parque arborizado e muito bem  cuidado, um coreto ao lado direito chamou a atenção. O estudante de arquitetura  percebeu a fauna noturna no lugar, uma profusão variada de tribos urbanas. O  que Sanders percebeu lá estavam os grafiteiros, rappers, grunges, metaleiros,  rastafaris, clubbers, cosplayers, andrógenos, Drag Queens, Vintages e entre outros  que Sanders não foi definir.
                 Andando em grupos heterogêneos, falam uma língua que Grege desconhecia, mas ele  percebeu traços da língua francesa, italiana, espanhola e uma variedade de  idiomas que Sanders calculou que eram falares mediterrâneos. Uma forte dor de  cabeça assolou o estudante de arquitetura e fortes zunidos pareciam querer  estourar a cabeça de Sanders. O estudante de arquitetura andou cambaleando, em  meio a pequena multidão e todos e todas da fauna variada estava alheia à  presença dele.
                Os  falares chegaram aos ouvidos de Sanders e começaram a fazer sentido. As  palavras Luna, peça de teatro, triunfo, rainha Sibelly Lopez e condessa Fá  Rodrigues Butler.  Sanders decidiu andar para onde a fauna notívaga estava  indo. Caminhavam pela pequena rua arborizada enquanto falavam de filmes,  discos, roupas, séries de TVs, programas de rádios e afins. Trocavam fitas  cassete, livros de bolso, esboços de desenhos, roteiros para filmes, letras de  músicas, broches e afins.
             Sanders ouviu falar das  trocas que aconteciam nos trens de monotrilho, depois da avalanche tecnológica,  das infestações de drogas sintécticas e explosões de crimes em zonas urbanas e  regiões afastadas dos grandes centros urbanos. As viagens nos ultras velozes se  transformaram o que seria uma zona de exclusão itinerante, seguras e livres das  violências alta tecnologias. Devido ao magnetismo, poucos artefatos digitais e  mecânicos de fato funcionavam os vagões. Sanders também ouviu os sussurros das  outras zonas de exclusão, militarizadas. Onde ocorriam anomalias no espaço e  tempo. Então aqueles dois universos se conectavam, se encontravam ali. 
                E  caminhando para o final da ruazinha, bem iluminada, como em uma procissão,  Sanders, o estudante de arquitetura em um vislumbre, foi um a entrada de um  portentoso teatro antigo reformado. As colunas jônicas de mármores branca e  ricamente detalhadas nas bases e no topo, os exatos trinta e três degraus.  Sanders viu duas modernas estátuas de mármore destoando do estilo clássico  grego, duas mulheres com rosto masculinizados, olhando em desespero agonizante  uma para a outra. Afastadas por três metros, com os braços esticados querendo  se unir, Sanders ficou chocado com o realismo da cena, pareciam vivas aquelas  estátuas frias mármore.
                Subir  as escadas e ver de perto as duas estátuas de tamanho natural reforçou o que  Sanders tinha notado, eram mesmo expressivas e realista a agonia nas expressões  faciais. Grege Sanders queria conhecer o artista, necessita conhecer quem  concebeu as peças. Ao caminhar Grege viu um enorme portal de madeira Paolo  Santo, ricamente entalhado, o estudante se perdeu nos detalhes artesanais da  obra. Eram cenas de tribos ameríndias, em cenas de caça e pesca, uma cena em  particular chamou a atenção de Sanders, era um homem com traços africanos  descendo do céu e na outra cena o ser sobrenatural era adorado como um Deus pelos  ameríndios.
                 A pequena multidão apreensiva diante do mural entalhado, até o portal se abrir.  Sanders parado ficou divagando se entrava ou não no teatro, a pequena multidão  passou ao largo do estudante de arquitetura como se fosse a coisa mais natural  do mundo. 
    Fragmento do livro Sono paradoxal, de  Samuel da Costa, poeta, novelista e contista em Itajaí, Santa Catarina.
    Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br 
     
    Na alma
     
    Finalmente chegaram as férias. Férias do meio  do ano, que seriam no máximo quinze dias. Os estagiários, entusiasmados,  corriam de um lado para o outro. O famoso descanso, e o encontro mais que  merecido, com a família. Lina parecia estar entusiasmada com o recesso.
                —  Vou sentir sua falta! — Disse Ezequiel para Lina.
    — Preciso ir, meus pais chegaram! — Respondeu  Lina friamente, pois não correspondia ao amor que Ezequiel sentia e demostrava  por ela.
    Lina deixou Ezequiel para trás e foi em  encontrar com os pais que estavam no corredor. A estudante de medicina abraçou  seus pais, escondendo as cicatrizes do rosto, com um excesso de maquiagem. De  fato, a estudante não queria mostrar-lhes suas muitas cicatrizes, que se  alojavam no rosto, frutos das muitas aventuras, que viveu na Universidade.
    Lina e a família, saíram do alojamento dos  estudantes, andaram poucos metros e chegaram ao estacionamento público da  universidade. O pai Lina reclamou do fato de ter que para o estacionamento, a  mãe de Lina sorriu com o fato do marido reclamar quando ter que gastar centavos  por minutos de estacionamento. Subiram no carro e ganharam a estrada.
    Lina vinha de uma pacata cidade do interior.  Após poucas horas a família   chegou em casa. O suor suada, fez  a maquiagem de Lina correr pelo rosto, ai foi impossível esconder as cicatrizes  da mãe. A mãe Lina notou as marcas assim que desceram do carro.
    Então, mãe de Lina, em estado de choque,  chamou a filha para uma conversa e franca e a sugestão foi uma visita a um  cirurgião plástico. Um médico amigo de longa data da família de Lina, que  passava férias no interior.
     Um tratamento caro, mas, que deu fim as  cicatrizes alojadas na face. Lina, transformou-se numa outra mulher, sua  autoestima, mudou no dia que se olhou no espelho. Enxergando assim, a bela  mulher que ocultava o rosto. Sentia-se feliz com sua família, porém ao cair na  casa, ela sentia uma imensa falta de Ezequiel. Não telefonou para Ezequiel como  combinado. Ficaram quinze dias sem se falarem.
                Passando-se  quinze dias, Lina voltou para a universidade, suas pernas estavam, trêmulas,  ela suava frio. Afinal, era a saudade de Ezequiel?
    — Ei, garota, ainda repartirá o dormitório com  o Ezequiel? — Gritou ao longe um amigo de Ezequiel. E Lina, calou-se. — É muito  ousadia tua, boa sorte pois você vai precisa! — Emendou o amigo de Ezequiel.
    Lina continuou andando e ao chegar nas  escadas, a estudante de medicina não se conteve e subiu as escadas correndo.  Lina abriu a porta de forma intempestiva. Ezequiel, já estava no quarto, sentiu  a presença de Lina e correu até ela. Ela o abraçou, matando a saudade. Naquele  dia não saíram do quarto, se saciaram todos os desejos espremidos com muita  paixão.
    — Havia reciprocidade, naquela mistura de amor  e paixão? Lembrou-se das cicatrizes, pensou calada: Já não se encontra na face.  Mas, sim, na alma.
    Continua...
    Fabiane Braga Lima é poetisa e contista  em Rio claro, São Paulo.
    Contato: bragalimafabiane@gmail.com
     
     
     
     
     
     
    Lina e as  cicatrizes
     
     
    — Não fique parado, mostre-me seus encantos! —  Falou Lina ao ouvido de Ezequiel. Ezequiel, deitado ao lado de Lina, então se  despiu e fizeram amor insaciavelmente a noite toda.
    Um pouco antes de amanhecer, antes que a  universidade acordasse, Lina foi até ao refeitório. Ela sentia-se bem lá. Como  de hábito, com um caderno de anotações. Lina ouviu os estalidos de saltos altos  batendo no chão, a estudante sabia quem era e o perfume confirmou quem era.   
    — És uma garota que estuda muito! Será mesmo,  que vale a pena todos estes sacrifícios? — Perguntou a inspetora para Lina,  como se soubesse de algo que a aluna vinha escondendo.
    — Não me faça perguntas, preciso de sua  confiança! — Respondeu Lina com a cabeça baixa e ainda preenchendo o caderno de  anotações. A inspetora deu meia volta e os estalidos do salto alto aos ouvidos  de Lina eram estrondos fortíssimos. Lina resolveu voltar para o alojamento  antes que o refeitório se apanhasse de estudantes e funcionários e assim ela  fez.    
    Lina, agora maquiada, soltou os cabelos,  passando pelos corredores lotados da Universidade, os garotos assobiavam e  gritavam: — Linda! Gostosa! Quero ser seu objeto de prazer. E como de costume  as garotas cochichavam, não disfarçando a ira.
    Ezequiel ouvia e via tudo calado, olhava  cabisbaixo, morrendo de ciúmes da amada. Lina fingia não ver Ezequiel, no  decorrer do dia, ela o esnobava completamente. No término das aulas, Lina pegou  seu boletim de notas, determinada como era, praticamente a melhor aluna do  curso. Lina, cursava medicina.  Cansada, chegou ao dormitório, no qual  dividia com Ezequiel.
    — Finge não me ver? Perguntou Ezequiel não  escondendo a tristeza.  
    — Estou exausta, realmente não te vi! —  Respondeu Lina friamente e tomou rumo ao banheiro, foi tomar seu demorado  banho. Depois tomou rumo do quarto e foi  dormir.                       
    Ezequiel insone, estava parado de pé na porta  do quarto de Lina. Passou e repassou a estranha relação que desenvolveu com a  estudante, suas idas e vindas, altos e baixos. Ele resolveu se deitar ao lado  de Lina.
    — Criamos um vínculo e faz de conta que não  existe? — Falou Ezequiel para a adormecida estudante. Ezequiel passou horas  sentado, ao lado dela. De fato ela parecia estar exausta!
    No dia seguinte Lina, não estranhou sentir e  depois ver Ezequiel deitado e dormindo profundamente ao lado dela. A estudante  se levantou com o cuidado de não acordar Ezequiel. Lina foi até o banheiro,  lavou seu rosto e não se preocupou em pentear o cabelo.
    Ao voltar para o quarto, Lina olhou fixo em  Ezequiel, que ainda estava deitado na cama.
    — O que aconteceu com seu rosto? — Perguntou  Lina horrorizada.
    Ezequiel não respondeu, simplesmente se calou.  Haviam cicatrizes ainda abertas e sangravam no resto do estudante.  —  Precisa procurar um médico.
    — Cale-se! Gosto das cicatrizes, me fazem  lembrar, o que devo evitar. — Falou enfurecido Ezequiel e abaixou a cabeça.  Lina deu meia volta e voltou para o banheiro e por lá passou um tempo para  digerir a citação que estava.
    Lina decidiu voltar à vida normal, como se  nada estivesse fora do lugar, tomou banho e voltou para seu quarto para se  aprontar para mais um dia. Lina se aprontou, passou pela porta do quarto e  pouco se importou como estava e onde estava Ezequiel.
     Chegando ao refeitório, a inspetora  olhou bem para ela de cima a baixo.
    — Espera que saibas o que está fazendo,  qualquer coisa, estarei aqui! — Disse a inspetora de forma mecânica.
       Em um dos corredores da  Universidade, um garoto muito agitado, bruscamente parou Lina, era um dos  amigos muito próximo de Ezequiel
    — Como tem coragem de dividir o quarto...
     — Não entendi, termine a frase, ou sente  medo? — Perguntou Lina, não demonstrando medo.
    Continua…
    Fabiane Braga Lima é poetisa e contista  em Rio claro, São Paulo. Contato: bragalimafabiane@gmail.com
     
    De escritora a  organizadora de antologia
     
    Nós como escritores sabemos muito bem da  importância das Antologias e fazer parte desse processo é uma experiência  gratificante. Eu posso dizer que tenho crescido anualmente e com essas  experiências adquirido conhecimento. Estar na organização de uma antologia,  Mulheres da Resistência, é escrever uma nova história na minha vida.
    Posso dizer que não tem sido fácil, pois  trabalhar no coletivo sempre nos deparamos com as divergências, conflitos de  ideias e inúmeros fatores. Mas isso não deixa de ser gratificante, estou em  contato com diversas mulheres que trazem consigo uma bagagem literária  incrível, além das suas vivências de vida.
    Eu sempre tive um objetivo de vida e vi nas  antologias a oportunidade de chegar onde eu queria estar. Participando de  várias antologias pela Editora Contos Livres e agora na organização da  Antologia Mulheres da Resistência é um grande passo que estou dando na  literatura. Uma mulher preta, ocupando um espaço antes feito por homens e  pessoas brancas.
    Para quem desconhece é um processo lento.  Primeiro começa com o desenvolvimento da própria escrita e gradualmente  conquistando espaço para mostrar o seu potencial.
    Clarisse da Costa é poetisa, cronista e  designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina. Contato:  clarissedacosta81@gmail.com
     
     
     
     
     
    Antologia: O céu é o limite
     
    Talvez muitos não deem a devida importância  para as antologias, mas elas são portas de entrada para um processo histórico e  literário que amplia a nossa cultura e conhecimento. Como vemos ao longo do  tempo, elas também são portas abertas para novas editoras e consecutivamente  oportunidades para escritores que muitas das vezes não tiveram espaço na nossa  literatura brasileira.
    Claro, por serem textos curtos, as antologias  e coletâneas, a análise do original se torna mais ágil de forma que o autor  pode dar uma amostra do seu trabalho.
    Passeando pela origem da palavra, a antologia  tem como interpretação "estudo das flores". A sua etimologia  originou-se do grego anthologias que quer falar "coleção de flores".
    Eu como atuante em muitas antologias, chegando  ao número de 20 antologias no ano de 2022, posso muito bem falar da sua  importância, inclusive para nós mulheres e o nosso papel na literatura  brasileira. A mulher na literatura é um grande avanço nos dias atuais. Para a  sociedade cabia à mulher o seu papel de esposa, mãe e dona de casa. Uma mulher  com conhecimento e estudo não era vista com bons olhos por muitas famílias.
    O seu início na literatura não foi nada fácil,  ocupar um espaço antes ocupado por homens é quebrar as barreiras de uma  sociedade extremamente machista e opressora. Pois séculos antes da sua chegada  na literatura a mulher não podia ter acesso ao conhecimento e com a sua chegada  ela veio desconstruindo a literatura brasileira.
    Quando a mulher branca ocupou esse espaço ela  deu voz para tantas questões silenciadas dando início às transformações na  literatura. Com a chegada da mulher negra na literatura essas mudanças foram  além, a mulher negra trouxe questões como a sexualização da mulher, a desigualdade,  as questões raciais e sociais. Essas questões trouxeram uma nova literatura  brasileira, a literatura afro-brasileira.
    E usar a poesia como ato de expressão e luta  contra a opressão racial traz para nós mulheres negras visibilidade no mundo.  Muito tem se falado da "Escrevivência". Escrever pode sim ser uma  vivência de vida, onde nós mulheres damos voz para outras mulheres silenciadas  pelo medo, pela violência, pela desigualdade, pelo machismo e pela opressão.
    As antologias são um caminho que nos dão muitas  oportunidades. Recentemente passei pelo processo de organizar uma  antologia, o que me deu a chance de estar mais próxima de outras mulheres,  conhecer histórias e lidar com o coletivo. Como bem sabemos não é nada fácil  trabalhar no coletivo, existem muitas divergências, conflitos de ideias, enfim,  inúmeras coisas. Mas posso dizer que é uma experiência gratificante, com isso  vamos amadurecendo e adquirindo experiências. Eu costumo dizer que o céu é o  limite com as antologias, encontramos em cada página muitas histórias, seja em  versos ou prosas.
    Clarisse da Costa é poetisa, cronista  e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina. Contato:  clarissedacosta81@gmail.com